MENSAGEM "PASCAL" DE UMA EX-ALUNA DE EMRC
Olá, queridos alunos e professores! 😊
Espero que se encontrem bem e de plena saúde. Em boa verdade, saúde é um pleno bem-estar físico, psicológico e social e não, apenas, ausência de doença! Já vamos em mais de um ano de pandemia SARS-CoV-2 e acredito que a nossa (e a vossa saúde!) esteja um pouco fragilizada, mais até do ponto de vista psicossocial do que físico – embora percebam que muito daquilo que se passa na nossa cabeça possa refletir-se no nosso corpo. Quem nunca se sentiu mais nervoso, preocupado, triste e, quando acorda (nos dias em que consegue dormir), parece que foi atropelado por um camião?
Desculpem! Estou aqui com este palavreado e nem me apresentei! O meu nome é Tânia, tenho 25 anos, sou enfermeira e encontro-me, neste momento, a cinco passos (considerando que o primeiro passo fica concluído este ano) de concretizar o meu grande sonho, que tem comandado e transformado toda a minha vida: ser médica!
No entanto, poderão estar a pensar: “Ah, e tal, é uma enfermeira frustrada porque não teve média para entrar em medicina.” Desta frase, só a segunda parte é que é verdade, pessoal (e, particularmente, só a parte da média de exames!) 😊 E perguntam vocês: “Então, mas por que decidiste voltar a estudar? Mais 6 anos, a prova nacional de acesso à especialidade, ano comum, o risco de ser médica indiferenciada e, caso não o sejas, mais uns tantos anos para ser especialista?” Posso-vos dizer: Ai, valha-me Deus, onde me fui meter?!?!?
Gostava de vos dizer que fui
absolutamente feliz durante o curso de enfermagem, fui uma enfermeira de Anestesiologia
em contexto de Bloco Operatório exímia e tenho muito orgulho em ser enfermeira
e na Enfermagem, ainda que, agora, não esteja a exercer por incompatibilidade de
regiões e horários. Sou de Vila Nova de Gaia, trabalhei num hospital privado em Viseu e
estou a estudar em Coimbra.
Apesar de tudo, sentia-me incompleta. Primeiro porque estava a deixar o meu objetivo de lado – e eu não desisto até à
última das possibilidades – e, por outro lado, apesar da enfermagem ser uma profissão
autónoma, há determinadas intervenções em que nós, enfermeiros, não
podemos tomar decisões sozinhos e há respostas que, embora a enfermagem nos dê
várias “luzes”, só a Medicina nos pode dar essas respostas… E quando a medicina e a ciência não as dá? Temos a fé, que nos salva – a nós, profissionais, e aos
doentes.
Ah, e outra coisa muito
importante… Não queria chegar a velha e sentir arrependimento. Com 18 anos eu não
pensava nisso. Mas, hoje, com 25, depois de ter pessoas a morrer-me aos poucos
nas mãos, de ter crianças com doenças crónicas terríveis e pais inconsoláveis,
de ter idosos que foram abandonados pelas famílias nos hospitais, tenho dois
grandes medos: o arrependimento e o sofrimento. A morte, não.
Adiante.
Como podem calcular, o meu percurso não foi de todo linear; nem após o ensino secundário, nem durante. E, acreditem, muita gente – familiares, colegas e professores – vai fazer-vos sentir incapazes de atingir os vossos sonhos e objetivos. Vão fazer-vos sentir menos inteligentes do que aqueles colegas que aparecem com 19 e 20 na pauta. Vão fazer-vos sentir inferiores, porque vocês não são assim tão bons alunos a matemática… ou porque demoram mais a compreender as coisas… ou porque, com a média que têm até agora, talvez não consigam entrar naquele curso tão idolatrado pelos vossos pares e familiares. Enfim... Eu senti isso tudo na pele. Há umas palavras que, ainda hoje, me moem a cabeça e ouço todos os dias, embora já tenha aprendido a viver com isso. Porque o tempo cura e Deus traz-nos a paz ao coração inquieto e vamos criando mecanismos para nos defendermos dessas lembranças que nos assolam e derrubam.
No dia em que eu já sabia que não iria entrar em medicina, chorando compulsivamente, uma professora
abraçou-me e disse: “A Tânia nunca devia ter estado em Ciências”.
1ª lição: Nunca
deixem que a opinião dos outros tome conta de vós.
Sabem uma coisa? Quando chegarem à faculdade, ninguém vai perguntar a vossa média. Só serviu para entrada e ponto final, parágrafo. Muito menos as notas de exame. Quando forem trabalhar, eles querem lá saber da vossa média de curso! A mim, nunca me perguntaram: a mim e à generalidade de todos aqueles que se formam no ensino superior (ou que simplesmente acabam o secundário e vão começar a trabalhar). Vocês devem fazer as coisas por vocês! Se não forem vocês a lutar pela vossa vida, pela vossa carreira, pela vossa família, pelas vossas próprias metas, ninguém o fará! As outras pessoas poderão ajudar, poderão dar um empurrãozinho, mas é do vosso corpo, da vossa mente e da vossa vontade que “a obra nasce!”
Ao longo do curso de enfermagem, eu tive diversos momentos em que sentia que tinha de mostrar a todo o mundo que era capaz. Porque eu deixei que aquelas palavras me matassem um pouquinho por dentro. Pode ser parvoíce. Se isto me acontecesse hoje, talvez não desse sequer importância. A verdade é que há coisas que nos acontecem em determinados momentos da nossa vida, que ficam como que enraizados e é muito difícil conseguir arrancar essas raízes. Não é por acaso que muitos casos de doença mental tem a sua origem em circunstâncias da infância.
Podem perguntar-me: “Então, o facto de teres entrado em medicina, agora, também acabou por ser pelos outros e para mostrar aos outros que eras capaz?” Não. Foi por mim.
Eu achava que não seria capaz. Concorri por descarga de consciência, porque naquele dia fui contactada e disseram-me: “Tânia, se ainda pensas em medicina, Coimbra abriu concurso e acaba amanhã”. Já nem tinha muita esperança, até porque na entrevista que o meu concurso tinha, os meus atuais professores da faculdade foram absolutamente desanimadores. E não é que consegui? Vá, só acreditei no dia das matrículas 😊 Contudo, sei que muitas pessoas que pensaram que eu não seria capaz perceberam que estavam erradas. Se isso me fez sentir feliz ou aliviada? Sim. Porque há uma coisa que não gosto que me façam, que é questionarem as minhas capacidades e a minha competência.
2ª lição: Na
faculdade, deixamos de ver 17, 18, 19 e 20 repetidos mais do que 1 vez nas
pautas ou, simplesmente, não existem.
Se, por um lado, para muitos professores, a escala vai até ao 16 (mas se tiveres 9,4 [e às vezes 9,45] continuas a chumbar), por outro lado, todos nos tornamos iguais. Se vos contar que os alunos brilhantes tiveram média de ingresso 2 a 3 valores superior à minha, reprovaram a Anatomia I com 2 valores, como eu, acreditem que não estou a mentir. Os alunos fantásticos da Física e da Química nem um 9,5 conseguiram ter a Bioquímica! Nem, todavia, os crânios da matemática se safaram em época de exame normal a Estatística… e não é por falta de estudo, nem por falta de capacidade. O ritmo da faculdade é muito diferente e há imensa informação que temos de conseguir triar, reter e interligar. Até para mim, que já tenho um curso, que já devia estar vacinada para estas turbulências, voltar à faculdade foi uma transição difícil, ainda para mais agravada pela pandemia e com as aulas online.
Meus meninos e minhas meninas, tudo se faz! Sabem o que interessa? Não são as médias… É chegarem ao vosso local de trabalho, na área que escolherem, e saberem integrar os vossos conhecimentos na prática. No caso da medicina, muitos dos melhores médicos não foram brilhantes alunos no curso. Em Enfermagem, tive muitos colegas que, na componente teórica, eram muito bons mas acabaram por demorar mais 1 a 2 anos até concluir a licenciatura, porque nos estágios não conseguiam fazer um planeamento de cuidados do doente decente (ou seja, os diagnósticos e intervenções de enfermagem), não conseguiam ter destreza para os procedimentos técnicos, como venopunção – isto é, “tirar sangue” - nem conseguiam responder às perguntas de fisiopatologia e farmacologia que os professores e tutores faziam a partir do estado clínico do doente… De que lhes adiantou terem decorado a matéria para os exames das unidades curriculares?
3ª lição: A Fé é
central na nossa vida!
Sabiam que a pessoa hospitalizada tem direito a receber acompanhamento religioso, qualquer que seja a fé que professa? Porque é que ainda são atribuídos milagres? Como disse anteriormente, a medicina não explica tudo! Não será a fé, muitas vezes, o alicerce em que tantos doentes se agarram para conseguirem suportar um tratamento agressivo, acabando por correr tudo bem e a pessoa melhorar? Ok, pode ser uma coincidência. Pode ser apenas fruto do fármaco. A pessoa também, naturalmente, pode até ter fé mas sem a associar a uma entidade divina.
Deus esteve, desde sempre, bastante presente na minha vida. A primeira vez que senti a presença de Jesus foi, antes da minha 1ª Comunhão, no Sacramento da Reconciliação. Quando o Sr. Padre me deu a bênção final, senti uma leveza inexplicável, como se uma grande paz me invadisse.
Fui criada no seio de uma família católica, participante ativa na Eucaristia. Aos 10 anos fui chamada a pertencer ao grupo coral, como organista (grupo que ainda preservo e ensaio), antes do Sacramento do Crisma iniciei a minha caminhada como catequista que “terminou” há 1 ano. Atualmente, estou mais ligada às missões enquanto orientadora de um grupo da Infância Missionária, uma das obras pontifícias da Igreja Católica.
Deus nunca me deixou sozinha
quando me senti abandonada por todos, desde os momentos em que quase perdi a
minha mãe, à emigração do meu pai (vocês, provavelmente, não se lembram, mas a
minha geração também passou algumas dificuldades na época da Troika), a entrada
para a faculdade…
Deus colocou-me sempre pessoas no caminho que me ajudaram a levar a minha "cruz"… No fim do meu 12º ano desenvolvi uma depressão e, nos 2 anos seguintes, em que tentei medicina, só não voltei a “bater no fundo” porque tive pessoas extraordinárias ao meu lado: o meu namorado e os meus amigos e colegas de curso… E havia sempre algo que me dizia que, um dia, Deus ainda me iria conceder a graça de poder concretizar o meu sonho. Nunca perdi a fé, nunca me zanguei com Deus. Às vezes barafustei, como fazemos com as pessoas de quem gostamos, mas nunca deixei de me agarrar à Sua mensagem e às Bem-Aventuranças, proclamadas por Jesus: “Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados”.
Essa Via da Recompensa, fundada na esperança, apresentada por Jesus Cristo em tantos momentos da sua passagem no nosso mundo, foi transformadora na minha vida, concedendo-me bastante perseverança e resiliência. Pode haver muita gente que não acredita que Jesus é o filho de Deus, que morreu e ressuscitou… Mas há uma coisa que essas pessoas não podem nunca negar: é que Jesus transformou para melhor a vida de todos aqueles que se cruzaram com Ele. E Ele também é capaz de mudar a vossa vida, para melhor. E porquê? Porque é caminho de Paz, de Amor, não olha a vaidades, nem a injustiças; procura, isso sim, a justiça! Andamos tão cansados de tudo, mas devemos ter esperança, devemos ter a capacidade de perdoar a quem nos magoa, para conseguirmos seguir em frente.
Perdoar é difícil; é espetacular, mas custa, sobretudo quando alguém nos magoou muito. Porém, é um processo natural de quem é capaz de amar. É fácil amar e perdoar as pessoas de quem gostamos… Mas as outras merecem ser respeitadas do mesmo modo, independentemente dos seus erros porque são pessoas! Não há maior valor que o da Pessoa humana e da Vida.
Acreditem que, com fé e esperança,
e muito trabalho à mistura, tudo vos chegará às mãos! Não desistam! Jesus nunca
desistiu de ninguém, nem vai desistir de vocês. Ele veio para todos!
Não desistam de vós
próprios! É o maior erro que podem fazer nas vossas vidas.
"Deus escreve direito por linhas
tortas". O importante é o somatório de todas as partes da vossa História. Há
sempre uma nova oportunidade, devemos estar atentos. Por muitas portas que se
fechem nos vossos caminhos, haverá alguém que será colocada na vossa vida para
vos ajudar a encontrar uma saída, seja ela qual for.
No fim, quando chegarem a velhos,
vão olhar para trás e vão dizer: “Caramba, foi duro, lutei, mas não me
arrependo de nada. Sou verdadeiramente feliz!”
Agradeço à minha professora de Educação Moral e Religiosa pelo voto de confiança.
Quero dizer-vos que, na vida de estudante, não há nada mais dramático que a fase em que se encontram, e isto é sincero. O nosso sistema de ensino tem muitas lacunas... mas também é assim que crescemos!
Se a “Tânia de 18 anos” tivesse
conhecido a “Tânia de hoje”, teria acreditado que novas oportunidades lhe iriam
ser dadas e que a felicidade depende somente daquilo que somos capazes de fazer
por nós próprios e daquilo que somos capazes de dar ao outro. É dando que se
recebe, como diz São Francisco de Assis.
Despeço-me, desejando votos de muito sucesso, muitas aprendizagens, foco, fé, esperança e muito amor!😊
(Adaptado do testemunho dado por uma ex-aluna da Professora Conceição Ferreira, do Agrupamento de Escolas Dr. Mário Fonseca - Lousada)
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