domingo, 21 de fevereiro de 2010

A disciplina de Educação Moral e Religiosa Católica


O conceito de educação é um conceito complexo e nada pacífico de desenvolver se tivermos em conta toda a sua riqueza.
Durante muito tempo os conceitos educar e ensinar eram sinónimos. Mas na realidade tratam-se de conceitos distintos: educar é criar as condições necessárias para que o ser humano se desenvolva, cresça e seja feliz em todas as suas dimensões; ensinar é criar as condições necessárias para que a inteligência se desenvolva. Ou seja, educar implica todo o ser do indivíduo e inclui o ensinar, mas não se confunde com ele.
Segundo os actuais paradigmas pedagógicos a educação tem que abranger todo o ser da pessoa, em todas as dimensões, para que esta se desenvolva e se realize enquanto tal. Edith Stein, judia, filósofa, pedagoga, convertida ao catolicismo, carmelita, mártir, santa, co-patrona da Europa, tem um conceito curioso de educação. Segundo ela «educar quer dizer levar outras pessoas a ser o que devem ser» (Edith Stein: La estructura de la persona humana).
O Homem é o centro, o fundamento e o fim da educação, por isso, para que seja eficaz, ela tem que abranger todas as dimensões humanas: afectivas, cognitivas, religiosas, etc.
É neste conceito que se legitima a existência e a necessidade do Ensino Religioso nas Escolas. Um Sistema de Ensino que exclua o Ensino Religioso, ou negue a sua possibilidade, é um Sistema de Ensino deficitário e incompleto que não tem em conta a formação da pessoa como um todo harmonioso.
Em Portugal, a disciplina de Educação Moral e Religiosa está contemplada na legislação e no Sistema de Ensino. A Consituição da Républica Portuguesa, no artigo 41º, nº 5, refere que o Estado tem o dever de possibilitar nas escolas públicas um espaço onde o Ensino Religioso seja ministrado. Qualquer confissão religiosa, tem a possibilidade de ministrar uma disciplina de ensino religioso, sob determinadas condições, na escola pública. Mas, dado que a maior parte da população portuguesa é católica, e em virtude da Concordata assinada entre a Santa Sé e o Estado Português, que definia que nas escolas públicas portuguesas seria ministrado o ensino da religião e moral católicas, o Ensino Religioso Católico assume um carácter legal e uma aplicação prática diferente das outras confissões religiosas. Não se trata de um privilégio, mas de um direito da população e um dever do Estado. Os pais, primeiros educadores, e responsáveis pela educação dos seus filhos têm o direito de escolher o tipo de educação que desejam para os seus filhos. Cabe pois ao Estado proporcionar os meios necessários para que tal se concretize.
Deste modo, surge actualmente, a disciplina de Educação Moral e Religiosa Católica (EMRC) no Sistema de Ensino em Portugal. É uma disciplina que faz parte do Currículo escolar dos alunos, mas é de oferta facultativa. A disciplina de EMRC é de oferta obrigatória por parte das Escolas, mas é de escolha facultativa por parte dos pais e alunos.
A presença da disciplina de Educação Moral e Religiosa Católica aparece, assim, na escola, como uma necessidade e exigência de proporcionar aos alunos um espaço de reflexão crítica, sistemática e escolástica sobre os valores espirituais e o sentido religioso.
A disciplina de EMRC não se confunde com a catequese, pois têm âmbitos diferentes. Enquanto que a primeira procura educar para os valores e levar os alunos à síntese entre a fé e a cultura, a segunda tem como objectivo educar e celebrar a fé das crianças e jovens.
Não se trata aqui de querer à viva força que os alunos professem uma religião ou assumam um compromisso de fé. Não! Trata-se sim de criar as condições necessárias para que a dimensão espiritual do homem se desenvolva e leve ao seu crescimento saudável e harmonioso.
O homem é por natureza um ser religioso, aberto ao transcendente. Ele busca a verdade e a felicidade por todos os caminhos e meios. Essa busca, quer se tenha consciência ou não, no fundo, é uma busca de Deus, pois Ele é a realização plena do ser humano.
Porquê então ignorar esta tendência inata no Homem? Não deve ela ser desenvolvida, já que é uma característica do ser pessoa? Isto não significa, no entanto, que se pretende conduzir o indivíduo ou manipulá-lo para uma adesão ao Divino.
Fica, pois, bem patente a legitimidade, e a importância, da presença do ensino religioso na Escola, e em particular da disciplina de EMRC em Portugal. No entanto, as dificuldades e os entraves colocados a esta disciplina são muitos.
Numa sociedade laicizada, onde os valores são constantemente, e barbaramente, ignorados, em que exarcebadamente se exalta o ter, o poder e se atropela o ser, e a religião e a fé são vistas, apenas, como um recurso terapeutico e não como um compromisso de vida, a disciplina de EMRC é, por isso, vista como algo dispensável, pelos pais, alunos, pela Escola e pela Sociedade em geral. A indiferença é pois o primeiro entrave, e o mais difícil de combater, ao exercício da disciplina de EMRC na Escola Pública em Portugal.
Outra grande dificuldade reside no facto da disciplina ser facultativa e não opcional (como é na Bélgica, por exemplo). Os pais e os alunos podem escolher entre ter mais uma disciplina ou ter menos uma disciplina. Ora, com a grande carga horária que têm os alunos, no Ensino Básico e Secundário, muitas vezes a opção é não escolher a disciplina de EMRC. [...]
Mas com todas as dificuldades, a disciplina continua a ser oferecida, apostada na qualidade dos seus conteúdos programáticos e na qualidade da formação dos docentes.
Não há que ter medo da Igreja e do Ensino Religioso. Não há qualquer tipo de intenção proselitista, por parte da Igreja e dos professores do Ensino Religioso, mas uma consciência esclarecida que diz que o desenvolvimento pessoal não é pleno se for ignorada a dimensão religiosa do Homem; que é necessário estabelecer a síntese entre a fé e a cultura, para o respeito e a tolerância entre todos os Homens; que a cultura só pode ser assimilada e dar os seus frutos quando a tradição cristã for por ela assumida, já que a cultura ocidental só nela se pode entender.
Cabe agora à sociedade em geral, sem preconceitos, perceber tudo isto e contribuir, com a sua parte, para criar as condições necessárias para que a educação seja de facto eficaz e contribua para a formação de cidadãos responsáveis, activos e felizes.
Talvez aqui esteja o cerne da questão e a explicação para a perda de valores, e de identidade, que se tem verificado na era pós-moderna no Ocidente.
O Ensino Religioso tem o seu lugar e papel importante na escola, na educação e na sociedade em geral. Termino com uma citação que sintetiza toda a minha exposição, sobre este tem,a e que desejo seja mote de reflexão para todos: «Nesta “era do vazio”, como lhe chama Gilles Lipovetsky, o ensino religioso escolar propõe um horizonte de sentido para a vida, não deixando o aluno fechado nos seus problemas, sem qualquer resposta para as grandes interrogações da existência humana. Embora não resolva todas as dúvidas existenciais, a religião ilumina a realidade da vida e abre caminho à esperança» (António Estanqueiro: O contributo da educação moral e religiosa para a formação integral).

António José Gomes Machado

Nota:
Texto publicado no jornal “Clarão do Norte” (Arquidiocese de Montes Claros – Brasil) em Março de 2009.

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